Uma história meio antiga.

Para frente. Para trás. Balançando sem ritmo como o pendulo de um relógio que ninguém se preocupa em arrumar. Os rangidos da cadeira chegam aos seus ouvidos como sons vindos de muito longe. Ele se vira e vê um reflexo refletido na televisão. De quem será aquele rosto refletido no vidro negro da televisão? Ele olha os posters nas paredes e as miniaturas na prateleira, mas elas não lhe respondem a pergunta que há muito tempo foi esquecida, mas que retorna nos tempos de solidão e angustia para atormentar sua mente.

Quem sou eu?

Tudo nesse quarto mostra apenas uma existência vazia. A sociedade lhe diz como viver. Dia após dia. Hora após hora. Todo seu ímpeto foi tomado pelos sorrisos idiotas que estão gravados nas fotos como momentos felizes. Essas fotos mostram a mesma coisa: mentiras. Mentiras para os outros. Mentiras para si mesmo. Ele sabia a resposta, mas a sociedade o tornou um ser perfeito com uma mascara sobre seu rosto deformado e torto com o qual nasceu.

Quem sou eu?

Seres perfeitos não precisam de perguntas. As respostas são dadas pelo bem coletivo. Seres perfeitos não almejam nada, a vida se torna apenas algo pelo qual devemos passar até a nossa morte.

Ele não quer isso. Pela primeira vez em anos ele sente dor. Na sua mão a mascará, formosamente criada para ele, balança fracamente e cai no chão se quebrando. Ele pode ver seu rosto finalmente, o vidro negro de TV agora reflete aquilo que tanto lutaram para esconder ao invés de um rosto vazio.

Mas isso não responde a sua pergunta. O que está por trás daquele ser imperfeito que por tanto tempo foi toscamente disfarçado em algo que ele não queria. Quem é ele? Isso não muda o fato de sua existência ser vazia. Seus olhos são inexpressivos, frios como a mascara que os escondia. Ele aprendeu como ser perfeito.

Ele esqueceu como ser ele mesmo.

As notas na escola. As fotos com amigos e familiares. Todos os feitos. Todas as conquistas. Em tudo a mascara está presente, sorrindo, chorando, dando o seu melhor. Nada disso foi feito por ele. Quando sua vontade foi substituída por essa mascara? Ontem? Há 10 anos? Para ele não há nada que comprove que ele está ou esteve realmente vivo. Talvez sem a mascara tudo que reste seja uma morte simples e fria. Talvez ele não seja nada sem aquilo que foi dado para ele.

Quem sou eu?

Ele ainda não sabe a resposta. Muitas outras perguntas ainda o atormentam. Ele pensa que seria mais fácil colocar a mascara novamente e continuar vivendo naquele mundo, seja ele real ou não. Mas isso não é possível. Os cacos da mascara jazem no chão do seu quarto, junto com algumas lágrimas e gotas de sangue derramadas sem motivo algum.

Como em seu quarto, nas ruas ele continua balançando fora do ritmo. Fora dos padrões impostos. Fora do balanço das mascaras frias ao seu redor. Ele é como o relógio que ninguém se preocupa em concertar. Suas batidas destoam do ritmo. Destoam do mundo perfeito do qual ele escapou. Suas batidas são como um protesto ao som ritmado e angustiante da rotina. Talvez ele fosse mais feliz sem ter que se preocupar com o que fazer. Talvez a vida fosse mais simples. Talvez fosse mais simples ser manipulado e tragado pela rotina tão bela e perfeita que haviam feito par ele. Não há como saber. Os cacos da mascara em um canto do quarto mostram a sua escolha.

Todos os dias, antes de sair, ele se olha no espelho. Afinal agora há alguma coisa para olhar não apenas uma mascara imutável. Ele sorri ao perceber que não gosta do que vê. Talvez um dia comece a gostar. Talvez um dia se acostume com seu real rosto.

Ou talvez apenas desista e continua a viver uma vida tão vazia quanto a vida que a mascara lhe impunha.

Afinal agora ele tem escolhas. Essas escolhas próprias o afastam cada vez mais do mundo calmo e sereno das mascaras. Ele não sabe até onde suas escolhas o levaram. Talvez o levem até a resposta.

Quem sou eu?

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