Lutando bravamente contra minha protelação consegui terminar essas singela versão das superpoderosas. Pode não ser muito fofa, mas foi feita com tudo que há de bom kkkk

O ruído vindo do gravador sobre a mesa marca o inicio da conversa.

“Fita numero 14. Entrevista com Anthony Jerkins, cientista integrante da equipe original por trás do projeto Superpoderosas.”

A minha frente um homem muito mais velho que eu, com os cabelos grisalhos fugindo da testa em um terno risca de giz me mostra um sorriso apagado e começa a falar.

Enquanto fala termos técnicos que, francamente, não presto muita atenção, penso que, para um recém-formado em jornalismo este pode ser meu ápice ou minha ruina. Todas as obras anteriores foram superficiais, mas estou certo que vou superar tudo que já foi escrito sobre as Superpoderosas. Mas se falhar, isso pode significar o fim da minha carreira antes mesmo de começar.

Respiro profundamente e parto para o ataque.

―Desculpe sr. Jerkins, mas não tenho interesse nesses termos técnicos. Como você mesmo deve saber eles podem ser acessados por qualquer um na Wikipédia. Quero saber o que existe realmente pro trás do projeto Superpoderosas.

Ele para atônito. Parece surpreso que alguém tenha a audácia de interrompê-lo durante seu importante relato. Mas, então seu semblante se acalma e retira uma pequena garrafa prateada de dentro do terno e dá um longo gole nela.

―Sei que é filho de mãe árabe. Como não me ofereceu nenhuma bebida antes da entrevista imagino que siga os ideais da religião da sua mãe. Devo dizer que respeito isso. Mas, se você quer realmente saber a verdade deve deixar que eu beba o que eu quiser. De acordo?

Engulo, envergonhado, o protesto que iria iniciar e aceno positivamente com a cabeça.

―Muito bem. Sabe, espero que seu livro seja melhor do que todo lixo deprimente que foi escrito sobre elas...

―Também espero isso, sen...

―Cale a bola e me deixe falar. Apenas me interrompa se for perguntar alguma coisa importante para o livro ou quando perguntar algo a você.

― Pode-se dizer que tudo começou após os ataques nucleares a Washington e ao Vaticano. Você devia ter o que quando aconteceu? 10? 12 anos?

― Nove anos, senhor.

― Caramba, o tempo voa quando se está ocupado. Mas enfim, talvez você não se lembre mas varias agencias de segurança pelo mundo todo sofreram ataques armados. Tudo isso causou mudanças drásticas na sociedade de então. Era cada um por si. Liberdade total porra nenhuma! As ruas viraram um verdadeiro inferno. Vários bandidos e meta-humanos tinham escapado das prisões. E mais monstros eram criados por cientistas loucos brincando de Deus. As pessoas precisavam de novas esperanças. Mais importante, o povo americano precisava de uma nova esperança. Alguns membros do governo que sobreviveram aos ataques decidiram que os Estados Unidos trariam esperança para o mundo. Assim surgiu os alicerces do Projeto Superpoderosas.

Ele dá outro gole na garrafa, que imagino conter vodca pelo cheiro forte. O cheiro forte chega ao meu nariz como uma lembrança dos velhos tempos e acende um velho desejo. Ele se enganou em um ponto. Deixei de beber após quase perder um ano da faculdade e não porque o Deus que minha mãe acredita diz que beber é errado. Aprendi por conta própria que Deus não existe. Ou, se existe, não está nem aí com suas crias.

― Antes de continuar... você tem algum interesse particular nas Superpoderosas? Esse é um tema muito complexo para um recém-formado.

― Quanto tinha 15 anos fui feito refém durante um assalto a banco. Os bandidos mataram meu pai, policial aposentado, na minha frente. Teriam matado minha mãe também se as Poderosas não tivessem aparecido.

― Comovente, mas acho que a verdade vai abalar a imagem que você tem delas. Já estava decidido que os Estados Unidos seriam responsáveis por acabar com aquela bagunça e trazer esperança para todos. Só era necessário decidir como. Naquela época considerávamos impossível controlar os impulsos de um meta-humano, já que ninguém sabia ao certo quais eram os efeitos colaterais da contaminação do DNA humano com códigos genéticos artificiais. Nesse caso a solução obvia seria o uso de unidades autônomas, mas, como qualquer robô, eles tinham limitações mecânicas. E todos os dias surgiam monstros mais fortes. Chegamos a conclusão que a solução poderia estar nos próprios humanos. Nosso cérebro limita a capacidade dos músculos. Fizemos alguns testes em soldados em que desativamos as conexões cerebrais relacionadas aos limites os músculos. Sem esses “freios” dados por Deus e com alguns remédios para o fortalecimento dos músculos esses soldados conseguiam erguer até 400 kg com a mesma facilidade que você levanta um lápis. Com o uso de armaduras bio-orgânicas aumentando seus poderes exponencialmente nos havíamos encontrado o que os Estados Unidos precisava.

― O senhor fala de armaduras bio-orgânicas. Elas teriam alguma relação com o Homem de Ferro?

― Odeio admitir, mas sim. O viado do Tony Stark nos ajudou nessa parte do projeto. Apesar de estupidamente fortes, os soldados ainda eram humanos. Se levassem um tiro poderiam morrer como qualquer um. O Stark era um gênio, pena ter morrido daquele jeito.

― Se os testes com os soldados foram bem-sucedidos porque nunca vi um soldado em uma armadura arrancando as vísceras de um meta-humano? Porque delegar um serviço desses para três meninas de cinco anos?

― Basicamente por dois motivos. Aparentemente, uma vez que o corpo humano já tenha chegado ao seu limite muscular ele fica, digamos que, ligado a esse limite. É claro que eles eram incrivelmente fortes, mas se passassem um pouco do ápice da força seus músculos eram simplesmente estraçalhados pelo stress. Nem as armaduras podiam evitar isso. O segundo motivo é puramente estético: depois do que aconteceu com Tony o governo achou que as pessoas ficariam com medo de verem armaduras cruzando os céus. E, francamente, não posso dizer que o governo estivesse errado: após ter a armadura hackeada por nanotecnologia alienígena só restou ao Tony usar o pouco de consciência que lhe restava para cometer suicídio. Por isso começamos a fazer experimentos com bebes natimortos.

― Essa pesquisa com natimortos tem ou teve alguma relação com a Hydra?

― Não nos compare com aqueles açougueiros – seu rosto se enche de ira – Eles estavam brincando de Deus apenas por diversão. Dizem que a X-23 é na verdade, uma filha do Wolverine.

Da outro gole e se acalma.

― Bem, voltando ao assunto, o fato das conexões cerebrais dos bebes natimortos não estarem completamente formadas nos deu infinitas possibilidades. Isso permitia que modificássemos toda sua estrutura, tanto física como psicológica, para obtermos o melhor rendimento possível.

― Com tantas modificações genéticas não seria correto afirmar que vocês estavam cada vez mais próximos de criarem robôs orgânicos?

― Digamos que conseguimos unir o melhor dos dois mundos. Com a capacidade adaptativa que apenas um organismo vivo tem e a frieza e rapidez de raciocínio de um autônomo criamos novas esperanças para a América e o mundo. Deus fez um bom trabalho, mas acho que o superamos.

Sua risada já está meio pastosa pelo uso da bebida. Seu hálito chega até meu nariz. Engulo em seco enquanto faço algumas anotações.

― Mas nem tudo foi fácil. Os gritos delas eram horríveis. Muitos não conseguiam dormir. É compreensível, afinal estávamos estraçalhando seus sistemas moleculares e reconstruindo como se fossem feitas de Lego. Pelo menos o governo liberou verba para a construção de laboratórios a prova de som.

Imagino que aquilo devesse ser uma piada, mas fico em duvida. Ele parece falar muito serio.

― Fizemos um bom trabalho. Mas as superpoderosas não eram perfeitas. E nem precisavam ser. O povo não podia saber que suas esperanças tinham falhas graves.

― E quais seriam essas falhas?

― Nada que não pudéssemos superar. Aparentemente, Deus não gosta que alguém mexa na programação do seu brinquedinho. As modificações feitas causavam muita instabilidade molecular. Quanto mais se esforçavam, mais perto elas ficavam de um colapso completo.

― Já que vemos elas voando por ai todos os dias suponho que vocês conseguiram resolver o problema.

― Sim, mas pode-se dizer que a solução foi um pouco anti-etica: quando uma delas chega perto do colapso a descartamos e a substituímos por um clone que foi mantido em hibernação até manter seu ápice de força. O responsável por cuidar que a mudança não seja percebida pelas meninas restantes e pela população é o Professor Untônio.

― Pode me dizer quantas vezes essa troca foi feita?

― A Docinho está próxima de ser trocada pela oitava vez. As outras suas foram trocadas seis vezes cada.

― Mas vocês não continuaram as pesquisas para impedir a instabilidade molecular?

― Porque continuaríamos? Iriamos apenas gastar mais dinheiro dos contribuintes. Não mesmo. Pra que gastar mais tempo e dinheiro para resolver um problema que pode ser contornado de maneira mais fácil e barata?

― Mas você não acha que elas mereçam viver uma vida longa como qualquer outro? Afinal, como você mesmo disse, elas são as responsáveis pro trazer esperanças para o mundo.

Ele solta o ar como se fosse realmente entediante explicar algo tão simples.

― Escute, moleque. Os EUA tem muito dinheiro. Dinheiro para derrubar governos – praticamente cuspia as palavras – Dinheiro para iniciar guerras. E, finalmente, dinheiro para comprar esperança. Nos apenas criamos a melhor alternativa.

Atira a garrafa vazia no chão e pega outra no paletó.

― Elas apenas fazem o que foram programadas para fazer. Elas não são capazes de se rebelar. Caso façam isso, mecanismos de defesa iriam causar o colapso instantâneo – fala como se explicasse algo para um doente mental – Nos mandamos nelas. Elas não precisam de uma vida normal. Se você não levou uma bala no rabo naquele dia não deve agradecer a elas. Deve agradecer a mim.

― Mas...

― Mas o caralho! – sua voz está tão cheia de ira que chega a cuspir enquanto fala – Todos são iguais a você. Se esquecem de quem mantem as ruas livres de todo o lixo meta-humano. Precisamos lembrar para as pessoas o que é realmente. Você da mais valor pra sua vida quando vê alguém morrendo na sua frente.

― Você está insinuando que...

― As superpoderosas não chegaram antes no banco porque não deixamos? Talvez sim, talvez não. Mas quem se importa? Um velho cretino morreu, mas varias pessoas foram salvas inclusive você. Não está feliz por estar vivo?

A fúria arde dentro de mim. Durante toda minha vida lamentei a morte do meu pai, mas sempre achei que pudesse contar com as superpoderosas. Tudo não passou de um esquema armado. Armado por esse velho maldito, bêbado e careca. Não consigo me manter imparcial. Pressentindo minhas vontades ele parte para as ultimas palavras:

― Vai fazer o quê? Aposto que está louco para descarregar um revolver na minha cara. Mas você não fará isso. Você tem muito a perder. Sua mãe, seus amigos, sua vida.

Pula da poltrona com uma agilidade surpreendente e agarra meu pescoço. Sinto uma picada no ombro.

― Sabe, poderia ter participado das Olimpíadas. Mas isso não importa agora. Você tem incomodado muita gente importante com suas perguntas. Todas as obras anteriores foram certinhas porque decidimos que seriam. O povo não precisa saber a verdade. A verdade botaria em maus lençóis varias pessoas que se envolveram nesse projeto. Quem se importa se nossas ações foram anti-eticas se conseguimos alcançar nossos objetivos? O mundo fechou os olhos quando a Rússia causou um acidente nuclear para transformar Chernobyl em um laboratório de pesquisa dos efeitos da energia nuclear em pessoas. Muitos meta-humanos que infestam nossas ruas saíram de lá.

Sinto meus músculos relaxarem. Ele saca uma pistola cromada com silenciador. O reflexo ofusca a minha vista.

― Precisávamos te calar. Todos tinham medo de agir. Não posso culpa-los. Como você, eles têm algo a perder. Eu não. Minha esposa morreu há alguns meses e estou lutando contra o câncer há vários anos. Eu sou o homem perfeito para isso. Posso mata-lo agora, cometer suicídio e ninguém vai sentir nossa falta – coloca a garrafa na minha boca e me engasgo com a vodca correndo pela minha garganta – Tome seu ultimo trago. Uma equipe de limpeza virá para se livrar das provas e dos corpos. Serei enterrado como herói, já você, como indigente. Espero que entenda. São apenas negócios.

Ouço o som abafado da bala atravessando meu pulmão. Enquanto perco a consciência ouço outro disparo e o som de sangue espirrando.

A fita continua gravando o borbulhar do sangue até que tudo acaba.