Os quatro faróis rasgam a noite e o motor urra quebrando o silencio enquanto os largos pneus esmagam as folhas espalhadas pelo asfalto negro. Em sua boca o terceiro cigarro do dia e no porta-luvas seu revolver esperando para ser usado. “Quero chegar cedo para poder fazer uma grande recepção para ele.”

A pista de mão única é ladeada por arvores secas pela aproximação do inverno. “Quando tudo acabar vou passar uma temporada na Florida. Foda-se a empresa. De qualquer jeito continuo dono dela. Não preciso mais trabalhar. De agora em diante vou levar uma vida de rico esnobe.”

Os pensamentos sobre o futuro e a musica saindo dos alto falantes não conseguem afastar de sua cabeça uma ideia que o incomodava. É uma ideia idiota, mas ainda assim ele não consegue se livrar dela. Desde aquela terça não consegue parar de pensar nos seus problemas. “Acho que é isso que chamam de efeito borboleta. Tudo isso pode ter começado naquela briga ou no acidente do balanço. Eu ter sido internado em um manicômio. Ter me casado com uma puta. Não ter um bom relacionamento com meu único irmão vivo. Ter um maníaco me perseguindo. Tudo deve estar interligado com aquele maldito dia.”

Ensaia uma risada enquanto pega outro cigarro, mas a tosse o impede de rir e o faz pensar que essa ideia não é tão absurda. A pista se torna cada vez mais acidentada à medida que ele se aproxima da resposta da noite passada.

Dois cigarros depois finalmente chega ao seu destino. O velho portão está trancado e não há rastros de pneus. “Ele ainda não chegou. O convidado de honra deve chegar no melhor da festa.” Nos muros alguns folhetos colados sobre o acidente nuclear de 29 anos atrás. Tirando a ação natural do tempo, tudo parecia em ordem, como se ele apenas tivesse passado o fim de semana fora. Parecia que sua família o esperava na varanda da casa. Todos com um sorriso no rosto. Até mesmo Fred estaria sorrindo para ele. Não. Sua cicatriz estaria rindo dele.

Estaciona seu Mercury na frente da casa. Lembra-se da surra que Frank tomou por chamar o Ford Edsel do pai de “vagina dentada”. Coloca o revolver na cintura da calça enquanto sai do carro. “Apesar de tudo éramos uma boa família. Quando será que tudo começou a dar errado? Talvez seja mesmo o efeito borboleta.” Quem iria imaginar que aquela garota feliz das fotos iria encontrar o fim pelas mãos daquele que havia jurado ama-la? Ou que Will, rapaz atlético e fã de baseball, acabaria paraplégico por uma maldita guerra? Sua ultimas palavras foram “Tio Sam não cuida dos seus” enquanto sofria uma parada cardíaca na ala suja do hospital militar da cidade.

Acende outro cigarro enquanto olha para a antiga casa que se ergue imponente entre a grama morta e ervas daninhas. Acha melhor não entrar nela já que não sabe o estado dos alicerces. Olha para cima e vê as janelas amareladas pela poeira. Seu quarto ficava no ultimo andar. Fred estari8a esperando lá? Não. O lugar onde Fred o espera é mais escuro e frio. Mesmo com os braços e pernas quebrados ele o espera sorrindo. Sua cicatriz está rindo dele.

Andando sem rumo acaba encontrando o velho carvalho. Ele está seco, como todas as outras arvores, e as suas raízes aparentam estarem pobres. Aquelas imagens voltam aos seus olhos como um vídeo sem fim: para frente, para trás. O grito e o som de osso quebrando ecoando no silencio da tarde. Braços e pernas dobrados em ângulos estranhos. O sangue tingindo a agua do rio. O rosto virado e os olhos fitando o pequeno Tony na beira do barrando.

Deixa o cigarro cair. “Não posso perder o controle agora.” Respira tão profundamente quanto seus pulmões permitem. Ouve passos esmagando a grama morta. Ele se vira esperando encontrar o maníaco, mas...

Usando uma camisa branca e shorts azuis aquela criança o observa com curiosidade. Seu rosto está impassível, mas uma cicatriz abaixo do olho esquerdo sorri para ele.

―Não é possível – aponta o revolver para aquela figura de um metro e vinte – Você está morto. EU MATEI VOCÊ!

―Eu sei – os lábios da criança se contorcem em um sorriso – Só estou retribuindo o favor.

 

―Então é isso – ele chuta o corpo agonizando barranco abaixo e apanha o revolver, ainda quente pelo uso, do chão – Você morreu fácil demais.

O corpo de Anthony Cougar jaz no pequeno córrego como uma copia da morte de seu irmão. Seu sangue se mistura com a agua radioativa.

Enquanto caminha de volta para a van ele passa em frente da velha casa. “Belo carro. Teria sido ainda mais fácil se você tivesse entrado na casa. É incrível como você nunca suspeitou da notificação falsa que eu mandei.”

Já está dentro da van. Enquanto tira o traje de contenção, acende um cigarro e ri comemorando mais um trabalho bem feito. “É lindo ver a energia nuclear fazendo o trabalho sujo por mim. Hora de destruir a vida de mais alguém.”

A van parte deixando aquela área contaminada para trás com Frank Cougar relaxando no largo banco do motorista. O sangue ainda flui pelo corte e seus olhos fitam o local onde seu carrasco esteve. Seu nome foi Frederick Cougar. Ou seria Anthony Cougar?