Enquanto o clima na escola ia ficando cada vez mais calmo, o clima dentro de casa, que nunca foi exatamente agradável, ficava mais tenso. Seu pai devia ter se aposentado há dois meses, mas como ainda não conseguiu resolver o caso dos assassinatos resolveu continuar na ativa, por isso sempre chega em casa estressado e sua mãe, contrária a ideia do marido adiar sua aposentadoria, passa cada vez mais tempo no seu escritório de advocacia para evitar conflitos. Sua ira é plausível, esse é sem duvida o caso mais difícil que ele teve que enfrentar durante toda sua carreira e ele escolheu continuar à frente das investigações do que se submeter à vergonha de ter um caso não resolvido na sua ficha até então impecável. “Não há nenhuma ligação consistente entre as vitimas, alguns eram conhecidos entre si, mas apenas isso, os métodos usados também são diferentes, o que elimina a chance de ser um serial killer clássico. Todos os possíveis suspeitos possuem álibis já confirmados. Não foi encontrada nenhuma amostra de DNA do agressor então não tenho motivos pra acreditar que se trate de um único assassino, mas minha intuição diz que essa é a única explicação possível.”

Lendo por cima do ombro do pai enquanto ele organiza o material da investigação ele sente um misto de orgulho e pena. Orgulho por acreditar que chegou a utopia do crime perfeito. Após cometer os assassinatos basta apagar qualquer vestígio dos textos ou modificar a data em que eles foram feitos para depois que os corpos foram encontrados. Além dos textos pro assassino ele continua escrevendo seus textos habituais. Seu pai é seu álibi já que ele conhece o estranho hobbie do filho melhor do que ninguém. Mas não deixa de sentir pena do pai, esse caso está afetando seriamente sua sanidade. O garoto não pode ajuda-lo nesse caso. Apesar da sua frieza habitual com todos, ver seu pai se perder em meio a perguntas e duvidas criadas pelo próprio filho está o incomodando de uma forma que não poderia imaginar. Só pode esperar que o pai desista. Torce para que o pai perceba que aquele é um beco sem saída.

Mas ele sabe que isso não vai acontecer.

Até agora tinha conseguido evitar uma conversa mais seria com o pai sobre o caso. Mas agora seu pai faz perguntas e exige respostas. As mentiras ecoam pela sala vazia. O ódio entre os dois aumenta cada vez mais. A saliva quente do pai bate em seu rosto enquanto grita suas lamentações para o causador de tudo. Sente a pena se transformando em ódio. Não ouve tudo que o pai diz a seu respeito, mas reconhece algumas palavras: retardado, doente mental, incompetente. No final seu pai é igual a todos. Sente raiva dele por não saber quando parar.

Está sozinho no quarto. Ouve seu pai gritando da sala. Tem medo do que está prestes a fazer. A luz vinda do monitor torna seu rosto encovado. Os únicos sons no quarto são de seus dedos batendo nas teclas. Uma parte dele sente que deve parar. Mas a outra sabe que agora é tarde demais. Seu pai sai para o turno noturno na delegacia. O barulho do teclado cessa. Agora é apenas uma questão de tempo. O silencio o consome. Ele gostaria de pensar que dessa vez pode dar errado. Que seu pai está a salvo. Que tudo até agora foi apenas um sonho.

Ele matou o próprio pai. Essa é a verdade.

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