Ele se apoia em um poste para vomitar. Podia ter sido pior, se tivesse vomitado no ônibus ou na frente do colégio todos teriam visto. Vomitando apoiado a um poste em frente a uma viela ele é tratado apenas como mais um bêbado, mesmo que esteja usando o uniforme de uma das escolas mais caras da cidade. Um pouco de sangue se mistura aos restos do que ele comeu no café da manhã. “Hoje foi difícil.” Durante a infância fez aulas de kempo, então seria fácil para ele lidar com um cretino. Mas todo mundo é corajoso com dois capangas segurando a vitima pelas costas enquanto bate na barriga de um cara já desmaiado com um soco inglês.

“Merda, se eu não tivesse fingido desmaiar ia apanhar até agora. Aqueles montes de merda. Eu acabaria com eles em situações normais.”

Limpando o vomito da boca e mancando um pouco ele finalmente chega em casa. Esse foi apenas mais um dia normal de aula. Apesar das perguntas da sua mãe ele vai direto para seu quarto em silencio. Seus pais trabalham muito, ele não quer preocupa-los sem motivo. Em todas as escolas foi assim e ele sempre continuou em pé, não seria agora que ele perderia para um bando de imbecis.

Foi diagnosticado como portador da Síndrome de Asperger. Memoria fotográfica e grande facilidade em entender as fórmulas que os outros tanto penavam para entender eram benefícios, o fato de não conseguir se envolver facilmente com pessoas já não o incomoda mais. Portadores dessa síndrome normalmente apresentam interesse em algo especifico. Ele tem interesse em investigações de assassinatos. Ele mesmo não sabe por que, sabe apenas que essas investigações são uma das poucas coisas que prendem sua atenção.

Alguns anos atrás, ele foi um hacker promissor, mas depois de alguns vírus mandados para lugares do mundo todo ele perdeu o interesse. A mesma coisa aconteceu com o kempo, tênis de mesa, mecânica de carros e corridas de kart. Tudo não passou de um mero passatempo até ele achar algo que realmente o interessasse. No seu antigo endereço houve um assassinato brutal, obra de um serial killer até hoje não encontrado. O garoto que não havia mostrado interesse em nada até então ficou vidrado na movimentação da equipe da policia cientifica e até hoje ele escreve histórias com as mais diversas soluções para aquele crime.

No seu quarto, entre as revistas e livros dos seus antigos hobbies, há vários livros sobre psicopatas, crimes famosos, histórias de terror e creepypastas de diversos autores e de sua autoria. Se a sua síndrome já torna o convívio com as pessoas difícil, esse hobby apenas deixa as coisas piores, por isso ele é desprezado em qualquer lugar onde as pessoas conhecem suas preferencias. É conhecido como psicopata de tinta até mesmo entre os professores. Não se importa com isso. Pelo menos não mais.

Joga a mochila no canto e se põe a trabalhar no seu novo projeto: resolveu que quer entrar na deep web de qualquer forma. Dizem que é necessário o convite de alguém de dentro, mas ele está fazendo do jeito mais difícil. “Estou tentando entrar pela porta dos fundos em um lugar que não tem porta na frente” esse pensamento passa rapidamente pela sua cabeça enquanto usa suas habilidades de hacker e reconhece que os anos de inatividade o deixaram enferrujado. Já faz um mês que está nessa empreitada e sente que está realmente perto de conseguir.

Alguém toma o controle de seu computador. Ele não consegue rastear o IP do invasor. Códigos aparecem velozmente na tela e simplesmente param. Após dois segundos sem nenhuma ação, aparece a tela azul e o computador é reiniciado. Ele retomou o controle. O invasor não deixou rastros e não apagou nada. Tudo continua igual. As musicas, os textos, até mesmo seu programa continua do mesmo jeito de antes da invasão. Menos por um e-mail que ele recebeu enquanto o computador reiniciava. Sem titulo, apenas duas frases.

Você é muito bom descrevendo o passado. Já pensou em prever o futuro?

Tenta mandar um e-mail respondendo aquele estranho elogio, mas seu provedor diz que o endereço de e-mail do remetente não existe. Já que nada foi roubado ou apagado resolve deixar pra lá.

Seu pai, delegado de policia, sabendo de suas habilidades, permite que ele acesse informações confidenciais de investigações. Alguns de seus palpites já ajudaram a solucionar crimes menores, mas ele não se interessa pela solução do crime, apenas pela investigação. Vê um tópico sobre uso de armas brancas e pensa sobre o e-mail. Prever o futuro? Movido pelo tédio ou pela surpresa de, aparentemente, ter um fã escreve uma história inédita.

As palavras fluem com tremenda facilidade. O beco escuro. O carrasco encurrala sua vitima. O cheiro do pânico. A faca sem fio de corte e com sinais de ferrugem perto do cabo. A mancha de esperma na calça do agressor. A faca dilacerando a carne. Uma. Duas. Dez vezes. A crosta de sangue começando a coagular.

Mais cinco minutos e termina seu texto. Fica satisfeito com o resultado. Desliga o computador e se prepara para dormir. Pode tentar chegar na deep web amanhã. Isso se não perder o interesse enquanto dorme. Ele não sabe, mas já obteve êxito na sua missão.

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