―Tem certeza que está tudo bem você ir para a firma assim? Não quer esperar mais alguns dias?

Tinha a sua frente um prato raso com bacon e ovos. Sentada a sua frente, sua mulher continuava a falar como se preocupava com ele e continuava a perguntar se estava bem. Ele simplesmente não ouvia o que sua mulher dizia. Em sua boca um cigarro pela metade. Antes disso nunca havia fumado durante as refeições. Antes disso só fumava quando não tinha nada para fazer e depois de transar. Sempre achou cômica a imagem dele fumando enquanto sua mulher limpava o esperma das coxas. Como nos filmes antigos.

Mas agora fumava porque precisava.

Se houvesse algum espelho na sala de jantar poderia ver o mesmo que os olhos azuis de Alice fitavam. Um rosto vazio com a barba por fazer, um sorriso já amarelado pelo uso constante dos cigarros e um estupido corte abaixo do olho direito. Estava debaixo do carro quando a chave que estava usando para soltar um parafuso espanado escapou e acabou rasgando a carne de seu rosto. Não foi um corte grande, mas achou melhor ir ao hospital por precaução. Levou dois pontos. Provavelmente não ficaria cicatriz.

(teve sorte de alguma pedra não acertar seu olho, poderia ficar cego. Ao invés disso, ficou com um pequeno sorriso abaixo do olho esquerdo)

De tudo isso restou apenas uma foto tirada por Alice na saída do hospital. Ele se sentiu um idiota ao tirar a foto e se sente um idiota toda vez que a vê na mesa de centro da sala de estar. Parecia a foto de um soldado que havia curado suas feridas e pronto para continuar matando pelo seu país.

Nada disso importava. Aparentemente o maníaco o estava seguindo. Quando chegou do hospital recebeu outro e-mail: “Agora que somos iguais novamente você teria coragem de fazer aquilo de novo?” não importava que configuração ele usasse, esses estranhos e-mails nunca eram mandados para a lixeira.

“Esse maníaco não é só um bostinha. Ele sabe o que tá fazendo. Ele deve ter feito uma longa pesquisa para saber que meu irmão tinha uma cicatriz abaixo do olho esquerdo. Como ele podia saber disso?”

―... você mesmo fala que o conselho está procurando um motivo para te desligar da empresa.

Isso é verdade. Nos dias de hoje seria impossível manter uma firma dessas proporções sem capital externo. Logico que ele era o maior acionista, mas a politica da firma permitia que ele fosse desligado das funções na diretoria. Isso não afetaria suas ações, mas sentia que devia manter o único Cougar ativo na empresa. Devia isso a seu pai.

― Eu sei. Por isso mesmo eu tenho que ir. Isso é uma coisa estupida que eu chamo de orgulho masculino.

― Agora você parece o homem com quem me casei. Ah, já ia me esquecendo – entrega uma notificação em suas mãos – parece que a fazenda dos seus pais foi liberada do período de quarentena.

Ficou realmente surpreso. Seu pai, homem pratico e racional, havia recusado vender a fazenda para o governo após o acidente na usina nuclear da região. Isso foi há 29 anos. Dificilmente conseguiria vender a fazenda por um bom preço. Pelo jeito aquelas terras radioativas continuariam na família Cougar.

Sua mulher tinha razão. Durante uma reunião que durou 5 minutos havia sido destituído da sua função no conselho administrativo. Sabia que quando eles tivessem problemas voltariam como o rabo entre as pernas pedindo ajuda. Iria deixar as coisas como estavam no momento. Enquanto esvaziava sua mesa jogou fora a bituca do quinto ou sexto cigarro do dia.

“Se tiver um pouco de sorte talvez eu morra de câncer antes de ficar louco. Vou ser enterrado com um terno branco com os braços

(e pernas dobradas em ângulos estranhos)

cruzados e os dedos do meio levantados.”

Começa a rir, mas a tosse áspera logo vem lembrar que o câncer está realmente perto. Mas a loucura está ao seu lado.

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