Se existe alguém que esteja acompanhando o blog, deve saber que faz um bom tempo que nada é postado nele. Isso se deve a preguiça desse que vos escreve e também por que estive meio ocupado nos últimos tempos. Vou postar uma história que escrevi. Ela não é de terror (ainda não consegui terminar nenhuma história de terror que comecei) mas acho que ficou legal. Acho que ficou meio melancólica, mas espero que gostem.

Aqui, no meio da cidade, entre prédios e postes, há um velho entregando panfletos. Suas mãos deformadas pelo tempo seguram esses papeis sem a firmeza com que antes seguravam um rifle durante a guerra. Ao invés de uma farda, hoje ele usa um cartaz com os dizeres “Compro e vendo ouro” por cima das roupas já surradas. Ninguém parece prestar atenção nesse velho soldado, afinal nossos velhos heróis são sempre esquecidos perante novos problemas. Seus olhos azuis contrastam com sua pele e cabelos brancos. Esses olhos já viram e choraram por amigos e companheiros abatidos covardemente em batalha. Mas suas lágrimas não são compartilhadas com ninguém, afinal ninguém se importa. Conforme a idade ia tirando tudo dele, ele também deixou de se importar. No mesmo lugar, todos os dias, ele usa o pouco de energia que resta para entregar panfletos, que são ignorados e atirados ao vento, do mesmo modo que sua juventude foi tragada pela pólvora e pelo cheiro de sangue. As pessoas simplesmente passam por ele, como se não existisse. Talvez, ele não exista mais mas não tenha se dado conta disso. A rotina talvez impeça que seu corpo definhe do mesmo modo que todos que estavam a sua volta. Ele já não tem mais nada que se importe. Ele tem apenas seus panfletos. Se alguém perguntar o que está escrito neles, ele não saberá dizer. Do mesmo modo que lutou se saber os reais motivos por trás daquilo, ele entrega seus panfletos sem saber ao mesmo sobre o que são. Hoje, ele parece estar diferente, um pouco tremulo. Ele pode sentir o sangue se esvaindo. Seu coração já cansando das batalhas diárias dá suas ultimas batidas. Ele cai recostado a um poste, os panfletos caem no chão e contrastam com seus cabelos brancos e seu cartaz “Compro e vendo ouro”. As pessoas continuam não se importando com o corpo estirado no chão, a rotina já tirou todo e qualquer sentimento delas. As pessoas veem a morte como algo distante e não se importam com isso. Ele também não devia se importar. Depois de tudo que ele passou, deve ter pensando que poderia ser divertido poder escapar dessa prisão particular que cada um de nós tem ao nosso redor. Prisão que construímos para nos proteger do medo, do caos, da tristeza e do rancor. Para nos proteger da vida e dos outros. Para nos proteger de nós mesmos.

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